ARTE E TECNOLOGIA
No livro Cultura e artes do pós-moderno, Santaella afirma que “cada período da história da arte no Ocidente tem sido marcado pelos meios que lhe são próprios” (2003, p. 151), ou seja, a arte (ou fazer artístico) de cada época corresponde à técnica do seu tempo. E cabe ao artista ser vanguardista e superar “a resistência ainda bruta dos materiais e meios do seu próprio tempo, para encontrar a linguagem que lhes é própria, reinaugurado as linguagens da arte” (2003, p. 152).
Segundo a autora, uma das ideias mais persistentes do século XX foi a da absorção de novas tecnologias pela criação artística. Que se deu, primeiramente, através do fascínio dos futuristas pelas tecnologias e as tentativas de convergir a arte na vida através de novas formas imaginativas.
O aparecimento da fotografia e do cinema concretizou novas formas de expressão, concepção e compreensão de conceitos, que resultou no processo de interação e impulsionou a arte experimental. O público torna-se parte integrante da obra e passa a ocupar o lugar de co-autor. Os suportes tradicionais da arte já não fazem sentido e surge o fenômeno da “reprodução mecânica da obra de arte”, proposto por Walter Benjamin. O museu como lugar artístico dá lugar ao processo de “massificação” da arte pelas mídias de comunicação de massa, acessível a todos.
Essas novas tecnologias possibilitaram uma hibridização no campo das artes e permitiu “ao artista horizontes inéditos para a exploração de novos territórios da sensorialidade e sensibilidade”. (SANTAELLA, 2003, p.176).
As tecnologias analógicas (tradicionais), detêm conhecimentos científicos de habilidades técnicas, denominadas por Santaella de máquinas sensórias. Na era digital, além do conhecimento científico é adicionada às tecnologias, a habilidade mental, passando a ser chamadas por ela de máquinas cerebrais e por Pierre Lévy de tecnologias da inteligência.
CULTURA DA CONVERGÊNCIA
Henry Jenkins, no livro Cultura da Convergência, propõe-se a discutir como se organiza hoje, a interação do público com os meios de comunicação. A partir de exemplos do cinema e da televisão, aponta as modificações do público e da mídia advindas dessas novas tecnologias digitais e das comunidades virtuais.
Convergência, para Jenkins, é “o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, a cooperação de múltiplos mercados midiáticos e o comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam”.
O autor não se refere à convergência como uma transformação tecnológica, na qual vários aparelhos se transformariam em um. E sim, como uma transformação cultural, e esta “ocorre dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros”.
Ele relaciona esse panorama aos fenômenos da convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva.
As mídias de massa, de caráter passivo; e as mídias digitais, de caráter participativo e interativo; coexistem e cada vez mais colidem entre si. Além dessa colisões entre novas e velhas mídias, analógicas e digitais, Jenkins destaca que os papeis do produtor e do consumidor de conteúdo também se cruzam, modificam-se e interagem de forma cada vez mais complexa, já que a “convergência envolve uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicação”. (2009, p. 44)
A narrativa transmídia é capaz de representar um universo ficcional, interessante e complexo propício à influência e interação do público, gerando maior proximidade com o produto ou a obra. A narrativa expande-se, oferece conteúdo informacional adicional e permite diferentes níveis de imersão, incentivando a criação e manutenção de comunidades de interesse e conhecimento, onde é possível a troca de ideias e informações. Jenkins dá alguns exemplos de narrativa transmídia como a série Lost e os filmes Harry Potter. Narrativas em que o espectador é estimulado a explorar conteúdos adicionais através de outras plataformas midiáticas.
A cultura participativa baseia-se na apropriação de elementos pertencentes a certo produto midiático por pessoas que não o produziram originalmente – fãs, por exemplo – e a partir desse produto, criam seus próprios, como as Fanfics. Os fãs conseguem participar das narrativa através da internet, com discussões e ideias, ou pelo nível de audiências, influenciando assim o rumo dos produtos. O autor deixou de ser o único responsável pelo enredo para dar lugar a num processo coletivo desenvolvido através das redes sociais.
A inteligência coletiva é o resultado da capacidade das comunidades virtuais produzirem e compartilharem conhecimento integrado entre seus membros. Este processo dentro de determinado grupo consumidor (e produtor) de cultura midiática motivou a reelaboração das práticas da indústria.
“O que consolida uma inteligência coletiva não é a posse do conhecimento – que é relativamente estática -, mas o processo social de aquisição do conhecimento – que é dinâmico e participativo -, continuamente testando e reafirmando os laços sociais do grupo social” (JENKINS, 2008, p. 86). O autor exemplifica este processo através dos spoilers e das fandoms.
Os fenômenos pontuados por Jenkins, além do viés comunicacional, social e cultural, são vistos também no viés artístico. A convergência das mídias, a narrativa transmídia, a cultura participativa e a inteligência coletiva fazem parte do que vemos hoje como ciberarte ou arte interativa.
CIBERARTE / ARTE INTERATIVA
O termo “Arte e tecnologia” é usado geralmente para descrever a arte relacionada com tecnologias surgidas a partir da segunda metade do século XX. O conceito de arte cibernética vai além da relação entre as mídias digitais, exige a interação constante entre observador e obra, ou mesmo entre as partes da própria obra, para que o trabalho aconteça. Observador e obra são, neste caso, interatores.
Ciberarte é a arte que utiliza as mídias digitais como suporte e que requer interação do observador para se realizar. É resultado da convergência entre arte, ciência e tecnologia na procura de ambientes interativos. A ciberarte vai de encontro à lei entrópica dos meios de comunicação em massa, adotando o sistema um para um, exigindo participação ativa do espectador. Produtos como o videoarte, cinema expandido e exposições cibernéticas são alguns exemplos dessa relação entre arte e cibernética.
O Videoarte é uma forma de expressão artística que utiliza a tecnologia do vídeo em artes visuais. Entre as décadas de 60 e 70, os artistas do grupo Fluxus ficaram conhecidos pelo pioneirismo em incorporar processos de alta tecnologia nas artes visuais, tais como: experimentações em vídeo, música eletrônica e arte em rede. O grupo alcançou um status de vanguarda pelo questionamento do que se entendia por artista, objeto artístico e o lugar da arte. As obras pretendiam provocar, criticar e estimular o público através de experiências sensoriais. Eles promoveram a inclusão da arte no cotidiano das pessoas, recorrendo aos meios de comunicação em massa, para que o público pudesse compreendê-la. Atualmente, a proposta do videoarte é aplicada através de plataformas digitais e interativas, mas sem deixar de lado a característica sensória dos meios massivos.
O cinema expandido também dialoga entre a arte e a tecnologia. Caracteriza uma expansão da linguagem, de estética e de território de ação (vai além da sala de cinema). Alteram formatos e lógicas narrativas, substituem materiais e técnicas de exibição/projeção.
A instalação Place Ruhr, de Jeffrey Shaw serve como um exemplo de cinema expandido. Desenvolve o tema da não-linearidade associada à interatividade. A intensidade da projeção (através de telas simultâneas explorando a ideia de imersão), e como esta envolve os espectadores numa dimensão sensorial e espacial da imagem (um lugar fixo para vários ambientes), permite escolhas que se traduzem em experiências cognitivas distintas.
Um exemplo recente de convergência entre mídias, interação do usuário com o produto artístico na plataforma midiática digital é o videoclipe da música ‘Like a Rolling Stone’ do cantor Bob Dylan. A música é antiga, foi lançada há 50 anos, mas o clipe interativo foi lançado em 2013. A proposta é convergir a ideia de clipe tradicional com o funcionamento da televisão. A linearidade do clipe é comandada pelo usuário, que vai zapeando pelos canais que interagem com a música.
Para acessar e interagir com o videoclipe, acesse: http://video.bobdylan.com/desktop.html
Há algum tempo, a ciberarte pode ser vista em museus, através de exposições interativas que reunem a arte e a tecnologia. No Brasil, temos muitos exemplos recentes.
O Museu Oscar Niemeyer (MON) recebe, de 31 de março a 31 de maio, a exposição Arte Cibernética – Coleção Itaú Cultural, que representa o conceito de arte cibernética desta coleção – considerada uma das pioneiras na América Latina. A parceria entre o MON e o Itaú Cultural proporciona a interação dos visitantes com esta expressão artística contemporânea, resultante da desafiadora relação entre arte e novas mídias e tecnologias.
Outra exposição interativa que envolve essa linguagem é o FILE, Festival Internacional de Linguagem Eletrônica reúne obras que exploram o som e a imagem, além de games e performances interativas. Artistas de diversos países exploram as possibilidades da arte e da tecnologia. Edição de 2014:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Jenkins, H., Cultura da Convergência. RJ, Aleph, 2009.
Santaella, L., Cultura e artes do pós-moderno: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo, Paulus Editora, 2003.
REFERÊNCIAS ONLINE
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